
A acessibilidade digital, tantas vezes negligenciada, não é apenas uma exigência legal, mas sim um imperativo social.
João Pina, auditor certificado pela AMA, IP para os Selos de Usabilidade e Acessibilidade Bronze, Prata e Ouro, reflete sobre o que ainda está por fazer na Administração Pública portuguesa.
Só 10% dos sites públicos são acessíveis: como mudar isto?
Em 2018, Portugal transpôs para o direito interno a diretiva europeia que exige acessibilidade digital nos sítios web e serviços digitais públicos.
Com prazos definidos, prometia-se uma Administração mais inclusiva. Mas, seis anos depois, o cenário desilude:
- Apenas 420 websites têm Declaração de Acessibilidade publicada*; e
- Só 39 conquistaram um dos Selos de Usabilidade e Acessibilidade*.
*Fonte: acessibilidade.gov.pt
Menos de 10%. Um número que diz tudo.
Segundo o estudo* da WebAIM, cerca de 70% das pessoas com deficiência abandonam um site se este não for acessível.
*Fonte: WebAIM Survey of Web Accessibility Practitioners (2021)
Tal facto representa um risco real:
Cerca de 7 em cada 10 cidadãos com deficiência poderão abandonar um site público se encontrarem barreiras.
Cada desistência representa um cidadão excluído de serviços públicos digitais e potenciais prejuízos reputacionais ou legais para a entidade pública.
Estamos mesmo a cumprir a lei ou apenas a fingir que sim?
Acessível não é suficiente
Confunde-se muitas vezes acessibilidade com inclusão.
Um site pode estar tecnicamente acessível, mas ser inutilizável.
Porque usa jargões e termos técnicos.
Porque esconde a informação.
Porque exige ao cidadão com e sem deficiência mais do que este tem para dar.
Não basta cumprir um checklist. Acessibilidade não é, apenas, ter bom contraste e textos alternativos. É garantir que ninguém fica de fora.
Ignorar a acessibilidade digital não é apenas um erro técnico. Constitui um risco jurídico, um custo reputacional e, acima de tudo, uma falha do serviço público.
Qual a diferença entre Acessibilidade e Usabilidade
A Acessibilidade abre a porta. A Usabilidade convida a entrar.
Sem ambas, continuamos a excluir.
A Acessibilidade assegura que pessoas com e sem deficiência podem aceder a conteúdos e funcionalidades.
Por exemplo, via contraste adequado, leitores de ecrã ou alternativas textuais.
A Usabilidade tem foco na eficácia, eficiência e satisfação de qualquer utilizador.
Um site pode ser tecnicamente acessível, mas, se for confuso ou repleto de jargões, continua a excluir.
Veja-se este exemplo de redação de conteúdos:
“A adoção de soluções tecnológicas baseadas em frameworks modulares interoperáveis, aplicadas sob uma arquitetura de informação orientada ao utilizador-alvo, otimiza a experiência digital dos stakeholders institucionais.”
Ou, por outras palavras:
“Organizar bem a informação e usar ferramentas acessíveis ajuda os cidadãos a encontrarem o que precisam, com menos esforço e mais confiança.”
Se não é claro não serve.
Não é a fase final. É ponto de partida.
A Acessibilidade não é um retoque de última hora. Deve estar logo no caderno de encargos, nos Design Systems*, nos casos de teste.
Só assim se garante que os produtos digitais públicos nascem inclusivos, sustentáveis e verdadeiramente centrados nos cidadãos, independentemente das suas limitações.
Inovação que nasceu da inclusão
No século XIX, em Itália, Giuseppe Ravizza criou a primeira máquina de escrever para que a Condessa Fivizzano, cega de nascença, pudesse escrever cartas ao seu amado.
A limitação da Condessa foi o motor de uma invenção revolucionária e uma prova de que a deficiência pode gerar soluções que beneficiam toda a sociedade.
Este exemplo histórico mostra o que hoje a inovação centrada na inclusão pode continuar a oferecer e não é apenas simbólico: são soluções reais e replicáveis para a Administração Pública portuguesa.
As legendas com descrição de som para vídeo, que incluem não só diálogos, mas também sons “(ex: [música suave ao fundo], [porta a bater]) foram criadas para pessoas surdas.
Atualmente, quando nos deparamos com ambientes ruidosos ou quando simplesmente não queremos ativar o som, usamos tal funcionalidade, por exemplo, nos transportes públicos.
Hoje, ambas as invenções beneficiam milhões.
Inovar, muitas vezes, é olhar para quem ficou de fora e trazê-lo para dentro.
Benefícios que vão além da lei
Quem investe na inclusão colhe mais do que boa reputação.
Colhe visibilidade, eficiência e sustentabilidade.
Códigos leves carregam mais rápido, são mais fáceis de manter e mais amigos do ambiente.
Títulos bem estruturados e descrições claras ajudam o utilizador e também os motores de busca.
Em projetos acompanhados pela Step Ahead Consulting há melhorias imediatas na taxa de satisfação e clareza percebida logo após as primeiras alterações do conteúdo, estrutura e aspetos técnicos.
Não é só lei. É visão.
A Acessibilidade é um laboratório de soluções.
Testes com utilizadores reais, como exige o Selo Ouro da AMA, não são burocracia, não são um custo. São investimento em qualidade e em cidadania.
Porque o papel do Estado não é “ter um site”. É garantir que todos os cidadãos, todos, conseguem usá-lo.
Não se trata de cumprir regras. Trata-se de cumprir a missão pública: de servir todos.
E isso, começa por incluir desde o primeiro clique.
* Design System é um conjunto de regras e peças visuais (como cores, botões e letras) que ajuda a criar sites e apps com o mesmo aspeto, fáceis de usar e acessíveis a todos.
João Pina
Diretor Marketing, Comunicação e Relações Institucionais
Auditor e Facilitador selos Bronze, Prata e Ouro, Certificado pela AMA, IP.
Como ajudamos:
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Esclarecemos sobre os requisitos de cada Selo
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Auditamos a acessibilidade e usabilidade atuais
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Acompanhamos a recolha de evidências
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Facilitamos o preenchimento da Declaração de Acessibilidade
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Sugerimos alterações às práticas em curso para ir ao encontro dos requisitos
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Formamos as equipas técnicas e de conteúdo
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Acompanhamos a obtenção dos Selos Bronze, Prata e Ouro
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Implementamos de Design Systems inclusivos
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